O pleito de 2024

Crônica de uma morte anunciada?

Olhando de fora, a poucos meses do primeiro turno das eleições municipais de 2024, o cenário poderia ser chamado de Crônica de uma Morte Anunciada, livro de Gabriel García Márquez que reconta a história do assassinato de Santiago Nasar pelos irmãos Vicario. A diferença entre a obra fictícia e a realidade é que o mundo real não precisa de detetives para investigar o que está claro: Lula e a esquerda de hoje não têm mais a mesma força que tinham em 1º de janeiro de 2003 e, posteriormente, em 1º de janeiro de 2007 — datas de início do primeiro e do segundo mandatos presidenciais de Lula. O ano de 2023 começou com o PL, atual partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, dominando a maior bancada da Câmara dos Deputados. Não obstante, o centro e a centro-direita tendem a sair como os grandes vitoriosos das eleições deste ano.

“Hoje, o caminho está mais para a direita que para a esquerda. Acredito que, nestas eleições de 2024, a direita ganhe mais força nos municípios”, observa a cientista política Joyce Luz, pesquisadora do Centro de Política e Economia do Setor Público (Cepesp), da Fundação Getulio Vargas (FGV). O deslocamento acontece especialmente por meio do antipetismo que se instalou no País, além de a imagem do PT continuar desgastada para aqueles que não votam no partido. “Acredito que este não é o movimento que observaremos nas eleições municipais. Muito pelo contrário: as eleições vão tentar trazer de novo à tona ainda mais forte a imagem construída em 2018”, elucida.

No quesito polarização, as eleições tendem a ter uma disputa bem acirrada entre dois blocos, como foi com PT versus PSL em 2018. Desta vez, a tendência é de uma presença bem mais forte do PL nos municípios, por causa da fusão do partido e pelo papel que ele vem desempenhando no Congresso Nacional. 

O PL receberá uma das maiores fatias do fundo eleitoral neste ano, cujo total para as eleições municipais de 2024 é de R$ 4,9 bilhões. Com o partido de Bolsonaro devem ficar R$ 863 milhões, enquanto a previsão para o PT é de R$ 604 milhões. “O PL será uma das siglas com mais financiamento, por ter mais bancadas dentro do Congresso, especialmente após a fusão e migração de parlamentares”, explica Luz.

Apesar da polarização que marcará as eleições neste ano, a cientista política diz não enxergar que os ânimos estão tão acirrados agora quanto estavam em 2020. “Agora, há uma inversão, porque Lula está no papel de presidente. E, se antes a oposição usava sua figura como a de um corrupto, agora pode usar o discurso de que ele é um mau gestor.”

De forma geral, o que se percebe é que a esquerda não tem um campo definido nas capitais. Se o apoio de Lula será para Guilherme Boulos na cidade de São Paulo, a resposta só ganhou contornos mais claros na segunda semana de junho, quando Lula teria cobrado do PT paulistano mais engajamento e “menos corpo mole” no apoio ao candidato do Psol. 

O cenário tende a se repetir em outros municípios. Para agravar a situação para a esquerda, no Congresso Nacional, Luz observa que a relação do PT com o Executivo é mais frágil e delicada. “Lula ainda não tem uma base sólida de apoio, diferentemente de quando ele assumiu o primeiro e o segundo mandatos, tempos de base forte de apoio e de uma coalizão estável dentro do Congresso. Agora, não. A coalizão é muito volátil e instável. Qualquer passo que Lula der em direção ao apoio às eleições municipais pode prejudicar essa base que já é instável”, avalia.

Se Lula decidir, por exemplo, apoiar um município em que haja alguma disputa entre PT e MDB — sigla de Simone Tebet, à frente de um dos ministérios da coalizão do governo —, resta saber quem ganhará o apoio dele, visto que o presidente deve evitar danificar sua sensível base de apoio.

Em um cenário no qual centro e centro-direita tendem a sair mais vitoriosos nos municípios, como fica o repasse de verba do governo petista? “Pode até ser que o presidente tente repassar menos recursos para essas prefeituras de centro-direita. Mas, com a atual composição do nosso Congresso, fica mais difícil, já que ele [o Congresso] é mais de centro-direita. Fora que o governo federal tem que fazer os repasses que são obrigatórios. Não tem como fugir”, responde Luz.

Há ainda de se lembrar que os parlamentares podem repassar verbas aos municípios. Portanto, o risco de queda na transferência de recursos para as cidades não é algo que preocupa os futuros prefeitos mais à direita.

Impacto nas eleições 2026

O cenário direitista tende a se intensificar após eleições municipais. No entanto, segundo Joyce Luz, o impacto disso não deve ser grande para as eleições de 2026. O maior impacto está mesmo na formação da composição do Congresso Nacional, “porque hoje a gente elege deputados de acordo com regiões e cidades que são vizinhas. Então, se você tem partidos de centro-direita que são fortes em algumas regiões, a tendência é que o candidato a deputado federal que sai dessas regiões também seja ligado à centro-direita. Consequentemente, isso afeta o governo do futuro presidente, se ele for de esquerda e centro-esquerda”, analisa a cientista política.

Esquerda ou direita?

A Ciência Política ensina: governos de centro-esquerda tendem a tentar elaborar mais projetos de ordem social, enquanto os de centro-direita costumam promover projetos mais conservadores, sem despender a máquina pública com a população. “Eles olham mais para a economia que para o amparo social da população. Se isso é positivo ou negativo, no final das contas, vai depender um pouco do impacto da política. Você pode ter uma política direcionada para a economia que acaba gerando mais empregos para a população, iniciativa de um governo de centro-direita”, exemplifica Joyce Luz. 

x

Utilizamos cookies e outras tecnologias para lhe oferecer uma experiência de navegação melhor, analisar o tráfego do site e personalizar o conteúdo, de acordo com a nossa Política de Privacidade. Ao continuar navegando, você concorda com estas condições.