Pecados na mira da tributação

Imposto Seletivo quer desestimular o consumo de itens prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente 

Por Igor Shimabukuro 

Ao mesmo tempo em que caminha para simplificar seu sistema tributário após quase quatro décadas, o Brasil também pode estar próximo de direcionar sua economia para um modelo mais focado no bem-estar humano e na sustentabilidade. Isso pode se tornar realidade por meio da implementação de um novo tributo: o Imposto Seletivo (IS). 

Abordado no texto substitutivo do Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024, o IS substituirá, ao lado da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), os cinco tributos sobre consumo atualmente cobrados no País. 

O CBS tomará o lugar das contribuições federais PIS e Cofins, enquanto o IBS substituirá o ICMS (tributo estadual) e o ISS (tributo municipal). Juntos, CBS e IBS darão luz ao chamado Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, que terá trava na alíquota de referência para não ultrapassar a casa dos 26,5%.   

Já o Imposto Seletivo substituirá parcialmente o IPI (que será mantido apenas para produtos industrializados similares aos produzidos de forma incentivada na Zona Franca de Manaus). Seu principal objetivo, contudo, será o de desestímulo ao consumo de bens e serviços considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.  

Não à toa, o tributo ficou popularmente conhecido como “imposto do pecado”, já que incidirá sobre produtos como cigarros, bebidas alcoólicas, bebidas açucaradas, veículos a combustão (com exceção de caminhões) e fantasy sport, por exemplo. Produtos com descontos ou isenções do IVA dual não entrarão no rol do IS. 

O imposto

As motivações socioambientais em benefício do ser humano e do meio ambiente constituem o principal alicerce do Imposto Seletivo e fundamentam as justificativas do tributo. Mas há outros fatores que podem explicar a implementação desse novo tributo. 

Primeiramente, deve-se observar que o famigerado imposto do pecado já é difundido em diversos países do mundo, especialmente por aqueles que também adotam o IVA. Lituânia e Portugal, por exemplo, têm tributos especiais para bebidas alcoólicas. Já Espanha e Holanda cobram sin taxes (impostos do pecado, na tradução livre para o português) para veículos. E, assim como acontece lá fora, o IS no Brasil servirá para diferenciar a natureza de produtos de consumo, como aponta Luiz Gustavo Bichara, advogado tributarista e sócio do escritório Bichara Advogados. 

“Uma das bases dos sistemas de tributação de valor agregado é a tributação uniforme de diferentes bens e serviços, com poucas alíquotas. Nesse contexto, os sin taxes vêm como um instrumento para aumentar a tributação de determinados bens ou serviços que os governos entendem como supérfluos ou prejudiciais”, destacou Bichara. 

Outra questão refere-se ao equilíbrio fiscal. Vale destacar que serviços e produtos como alimentos da cesta básica, determinadas profissões e operações voltadas para educação e saúde sofreram isenções ou reduções no IVA dual.  

Logo, o IS pode funcionar como instrumento importante para compensar essas desonerações ao tributar bens e produtos considerados não essenciais. Do contrário, a alíquota do IVA poderia superar o atual teto de 26,5% e se tornaria o maior Imposto sobre Valor Agregado do mundo. 

“O Imposto Seletivo deveria ter uma característica eminentemente extrafiscal, mas certamente vai representar uma fonte importante de receita para o governo. E ele [o IS] pode, sim, ser utilizado para equilibrar as finanças e compensar eventuais diferenças em relação às alíquotas de CBS e IBS”, pontuou Guilherme Giglio, sócio de Consultoria Tributária da Deloitte. 

Polêmicas 

As motivações socioambientais e favoráveis ao balanceamento do IVA dual, contudo, não eximem o IS de polêmicas e divergências. Bichara, por exemplo, contesta a incidência do imposto do pecado na extração de minério de ferro, petróleo e gás natural, ao afirmar que a tributação de bens minerais “não existe em nenhum lugar do mundo”.  

Também há discussões sobre a não incidência do IS para os agrotóxicos, que vão ganhar 60% de desconto da alíquota do IVA dual. Por outro lado, carros elétricos e híbridos foram incluídos na lista do imposto do pecado, apesar de serem considerados mais sustentáveis que veículos a combustão. Ambos os itens devem ser revisados e discutidos na apreciação do PLP 68 no Senado. 

Tratando-se de alimentos, existe uma grande discussão sobre a exclusão dos ultraprocessados, como salsichas, nuggets, bolachas recheadas e afins. Para a coordenadora de Inovação e Estratégia da ACT Promoção da Saúde, Marília Albiero, os embutidos deveriam ter entrado no rol do imposto.  

“A Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer já equiparou os níveis de salsichas, presuntos e mortadelas ao nível do tabaco. Não há dúvidas sobre a relação desses produtos com o câncer”, afirmou a coordenadora. 

E não se pode esquecer das armas, que são letais ao ser humano e ficaram de fora da lista do pecado. Sua tributação via IS é defendida pela pesquisadora do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da Fundação Getulio Vargas (FGV) Direito de São Paulo, Melina Rocha, uma vez que “não é possível uma alíquota majorada das armas dentro do IBS e da CBS”.  

Ainda assim, a pesquisadora e especialista em IVA apontou que os moldes do IS estão bem estruturados. “O PLP 68 escolheu bem as bases de incidência do Seletivo, alinhando-se às melhores experiências internacionais. Alguns questionam a tributação dos veículos pelo IS, mas a proposta foi acertada e condiz com as recomendações da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] para redução de gases do efeito estufa e mudanças climáticas”, avaliou Rocha. 

Aceitação e projeções 

Mas, se há divergências em relação à lista do imposto do pecado, aparentemente existe uma unanimidade sobre a aceitação do tributo. Prova disso é que uma pesquisa Datafolha encomendada pela ACT Promoção da Saúde em 2023 apontou que 94% dos brasileiros concordam com o aumento de impostos para produtos nocivos à saúde ou ao meio ambiente. 

Se houvesse escolha, ninguém pagaria mais tributos, mas parece existir um entendimento de que itens danosos ao ser humano ou à natureza têm de custar mais caro para maior efetividade nas reduções de consumo, especialmente quando se fala em um mundo mais sustentável.  

Não se sabe ainda quão mais caros ficarão os cigarros, as bebidas alcoólicas, os refrigerantes e demais itens listados pelo Imposto Seletivo, já que as alíquotas serão definidas posteriormente em lei ordinária — visto que cada produto tributado terá sua própria lei. Sequer há certeza sobre o rol de produtos e serviços, visto que a apreciação do PLP 68 deve trazer alterações em relação ao texto aprovado inicialmente pela Câmara dos Deputados. 

Fato é que o pontapé foi dado. E, caso a implementação do IS seja respeitada no cronograma da reforma tributária, poderemos ver um Brasil diferente a partir de 2027.

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